Nada como o tempo pra dar valor ao tempo: a sétima individual, de 1989, hoje.
Quando me isolei no meu atelier na Ilha de Itamaracá, entendi que o Tempo tinha sido o pano-de-fundo de toda minha obra: o registro cotidiano de um homem à procura de suas origens.
Enquanto a obra se desenvolvia no sentido psicofísico do tempo, seu conteúdo se desenvolvia no sentido contrário (do presente para o passado) e, numa outra dimensão, de níveis mais superficiais da memória à níveis mais profundos do inconsciente coletivo.
À bem da verdade, não pude nunca trilhar um caminho de volta que fosse linear (futuro, passado, presente se alternam numa tentativa cega de apalpar o intangível), apenas pressinto sua trajetória circular, como no mais, todo o resto do universo.
Odilon Cavalcanti
Itamaracá- Inverno
…Me parece , às vezes, que estas telas são filtros que retêm todo seu conhecimento de luz e dos seus reflexos. Isto mesmo, reflexões sobre o caminho da luz, das sombras das cores e do suporte. Essa luz dá vida própria a todos estes elementos. Cada vez eu procuro nossas histórias nas sombras dessas formas, mas cada vez elas são mais universais. Cada vez, vejo que elas têm uma consistência muito, mas muito profundamente pessoal. São traços de sua identidade, que através dessa luz e dessas cores, transcendem e vão ao universo inconsciente de muitos. Então me envaideço. A cada um desses traços vejo crescer um filho e me sinto como você, Odilon, um pai: conheço a todos, eu os acompanhei desde o nascimento, mas eles não saíram de mim…Devo cuidá-los e apoiá-los para que tenham vida própria e cumpram o seu papel…sejam quais forem. Na minha observação vejo-os crescer e sinto. Percorro seus caminhos e me sinto parte deles, da sua obra, de sua história.
Malou
Primavera, 1989.
… O pastel, com sua pureza de tons, com sua suavidade de textura, suas transparências que permite matizes e veladuras, de grande beleza contrapondo-se e/ou misturando-se à elasticidade do óleo, a pintura contínua e direta sobre a tela, formam um diálogo de forma e cor, extraordinária expressão de modernidade quando usados com a competência de Odilon Cavalcanti. …( )…afeito ao jogo das proporções, dimensões, composições, medidas exatas, comunicações objetivas e coerências, Odilon transgride a ordem e mergulha num universo poético de paisagens ao longe, mar e céu, tempo, signos em mutação, traços, manchas e cor. Embora a materialidade de sua obra seja tradicional – pastel, óleo, acrílica- sua obra é de hoje, contemporânea do futuro: atravessará o século como uma luminosa lua colorida.
Raul Córdula Filho
Recife, setembro de 1989.
O TEMPO
-Que mais vocês aprendiam lá?
-Aprendíamos MISTÉRIO, disse a tartaruga
Lewis Carrol
“Aqui, estamos diante da apoteose do homo faber, daquele que cria objetos ou quadros. Vemo-nos tentados a procurar, nessa categoria de experiência primordiais, a fonte de todos os complexos mítico-rituais em que o pintor ou artesão, divino ou semidivino, são ao mesmo tempo: arquitetos, dançarinos, músicos e feiticeiros. Cada uma dessas funções prestigiosas ressalta um aspecto diferente da grande mitologia da arte e da técnica, isto é, da posse do segredo oculto de fabricação, de construção. Fazer alguma coisa é conhecer a fórmula mágica que permite inventá-la ou fazê-la aparecer de maneira espontânea. O artesão é por este motivo um conhecedor do segredo, um mágico. Este perfeito e minucioso comentário de Mircea Elíade não difere muito de um outro, aparentemente apressado de Whistler, “a arte acontece”.( )…Novallis costumava definir a Água como a chama molhada e a Luz como o Gênio do fogo. Ele insistia que a Luz é símbolo e agente da pureza; onde ela não tem nada a fazer, nada a unir ou nada a separar, ela passa.
Nas telas de Odilon Cavalcanti, essa mesma luz encantatória posou como uma borboleta marinha e lá ficou, para sempre. Desse assombroso encontro aparecem nas suas pinturas, sob o manso ruído das cores do mar: duas ampulhetas contendo uma espécie de irredimível areia, um astrolábio, quatro pequeníssimas bolas de cristal e também algumas esferas de tamanhos desiguais. Acrescente-se vários globos terrestres, propondo uma impossível geografia, misturando-se a enormes discos de metal, pintados de azul muito pálido e suspensos por fios invisíveis amarrados no telhado alto. Num determinado canto, uma única bússola. Nas paredes caiadas de branco, uma infinidade de relógios sem ponteiros mas cujos pêndulos oscilam no rigor das horas….
Francisco Brennad
Propriedade Santos Cosme e Damião
19 de setembro de 1989.
…A arte de Odilon Cavalcanti é cósmica nas duas acepções deste vocábulo: no sentido etimológico clássico de limpo, incorruptível, divino- uma arte divina nos seus objetivos – e no moderno, como concepção de uma idéia de mundo, uma arte cósmica de procura, através da arte, de nossa origem cosmogônica. Contemplando seus quadros, sentimos que as imagens integram-se na unidade artística de um Universo como um todo, numa cosmologia do pensamento idealizado em cores e formas que só o poeta e o pintor podem transmitir, longe das fórmulas e expressões matemáticas dos físicos e astrônomos…( )…somos transportados de um mundo a outro, novo, como se fosse possível aproximar as mais recuadas épocas do passado e do presente…As pinturas de Odilon Cavalcanti simbolizam o cosmo na sua vibração mais intensa.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Rio de janeiro, setembro de 1989.
O pastel é um material perigoso, um material que seduz por sua falta de definição, um material que apela aos sentidos, ou melhor, um material que facilmente “apela”. Mas felizmente, “apelar” não faz o gênero de Odilon Cavalcanti. Não somente ele usa o lado sensual do papel comedidamente, como também se interessa cada vez mais por outras técnicas, ou as técnicas mistas. Tendo ganho – merecidamente – o prêmio de “Melhor Expositor do Ano” do IBEU, ele arca sozinho com a responsabilidade de expor sozinho num dos maiores e melhores espaços do Rio de Janeiro. E é justamente por ter alcançado uma definição melhor em seu trabalho, por estar falando uma linguagem cada vez mais pessoal e mais independente, que Odilon Cavalcanti se desencumbe bem da tarefa e do desafio, nem sempre cômodo, de fazer parte do grupo, relativamente pequeno, dos realmente bons artistas brasileiros.
Marc Bercowitz
Rio de Janeiro, setembro de 1989
Um desdobramento da mostra se deu através da cobertura do Programa Arte é Investimento, veiculado durante a exposição na Tv Corcovado do Rio. Há poucos dias o filho do Editor do Programa, Jorge Priori me ligou para avisar que tinha levado todos os programas gravados e editados pelo pai para a plataforma Youtube cujo link disponibilizamos agora.